Tinha uma mania de falar as palavras erradas, trocava as letras e os significados. Me deixava possessa e me enchia de ternura. Como alguém pode ser tão idiota assim? Se vestia muito mal e não combinava as roupas certas, tinha olhos de menino e alguns cabelos brancos de não sei o que. Era carente. Estupidamente dependente e até sufocante. 

Ligava muito, chorava de vez em quando, fazia flores de papel em restaurantes baratos, adorava aquela bermuda de surf. A testa carregava uma cicatriz, adorava acampar, cachoeira, violão, juventude. Exalava. Dava pra tocar de tão real sua bondade. Cozinhava bem, me obrigava a comer legumes e ver programas de carro, que com o tempo, eu até aprendi a gostar. 

Uma alma linda que ainda assim, eu não soube deixar ficar. Eu e minha ridícula mania de afastar o amor com as palavras. Se foi depois de muito tentar, de muito insistir, acho que se encontrou com alguém por aí. Ele me visita nos sonhos todas as noites. Era o amor da minha vida. Com todas as letras e pontos finais, virgulas e erros gramaticais. Era o cara. O cara certo dentre todos estes erros que nos sufocam e martirizam, que fazem a gente acreditar não sermos bons e consequentemente, ninguém ser bom pra gente. 

Era um guri. Cheio de amigos guris e faladores de besteira, boné jogado de lado e tanta incerteza. Eu me perguntei tanto se seria que acabou não sendo. Não tinha um carrão, uma mansão, todos estes status e títulos que muitas amigas minhas levam em conta. Não tinha nada. Queria morar comigo em uma casinha no alto da serra, ter um cachorro bem velho e quem sabe um outro guri. Queria um fusca. Uma horta. Um quintal. Mangas no jardim. Uma janela pra gente ver as estrelas e um cantinho pra que eu pudesse escrever. 

Era o amor da minha vida, digo e repito. Tenho uma culpa misturada com saudade que é quase letal, e admito, tenho bebido mais que o normal. Sinto falta de cada parte do que eu tive e deixei de ter, algo que queima e me arrasta em noites estranhas onde o ceticismo grita aos meus ouvidos tudo o que eu deixei passar. Ele era o amor da minha vida. Eu só precisava ter conseguido enxergar.